28 nov

Conselheiro de Educação nos estados de Hessen e Berlim-Brandenburgo fala sobre bibliotecas escolares

Por Emília Sandrinelli e Chico de Paula especial para a biblioo

RIO – Não seriamos capazes de afirmar com certeza, mas o fato é que com a aprovação da Lei número 12.244 no ano de 2010 (Lei de universalização das bibliotecas escolares), o tema das bibliotecas escolares nunca esteve tão em alta. Seminários, congressos, palestras de autoridades no assunto, do Brasil e de outros países, têm ocupado a agenda dos interessados no tema. Dentre as atividades realizadas só neste segundo semestre de 2011, damos destaque especial à explanação sobre a experiência das bibliotecas escolares europeias, proferida pelo professor Gunter Schlamp no último dia 14, em evento promovido pelo Goethe-Institut do Rio de Janeiro. Schlamp é conselheiro de Secretarias de Educação nos estados alemães de Hessen e Berlim-Brandenburgo, além de membro ativo do Grupo de Estudo sobre Bibliotecas Escolares. Em sua passagem por terras cariocas, Schlamp dedicou parte de seu tempo para responder à biblioo. A primeira parte da entrevista foi feita por e-mail e a outra parte pessoalmente no dia da palestra. Nesta entrevista o professor fala sobre temas polêmicos na realidade tupiniquim, como por exemplo, a que diz respeito à figura do “professor-bibliotecário”.

Chico de Paula: Do ponto de vista histórico, como se dá estruturação das bibliotecas escolares na Alemanha?

Gunter Schlamp: A última vez que houve uma biblioteca em cada escola foi na década de 30. Nessa época o Estado da Prússia tinha bibliotecas em todas as escolas. Hoje as bibliotecas já não são obrigatórias; elas estão sob a responsabilidade das autoridades locais e dependem da situação financeira das cidades e distritos. Uma cidade rica pode arcar com os custos de estabelecer bibliotecas escolares. O Ministério da Educação não tem responsabilidade pelos 16 estados alemães, entretanto, o número de bibliotecas escolares está constantemente crescendo. Quase metade das 36 mil escolas alemãs possuem bibliotecas. Na maior parte delas, os professores e pais fazem todo o trabalho voluntariamente. Quase todas as grandes cidades contam com uma rede de bibliotecas escolares. Alguns estados possuem bibliotecas escolares em todas as escolas de ensino médio. Bibliotecas escolares fomentam a qualidade das escolas e os estudantes a obterem melhores resultados quando eles estudam nessas bibliotecas. Isso explica o crescente interesse dos pais e o crescente número de bibliotecas escolares.

C. P.: Essa realidade se estende a toda a Europa?

G. S.: Alguns estados têm boas redes de bibliotecas escolares. O Reino Unido tem contratado bibliotecários em quase metade das escolas; a França, em todas as escolas; Portugal possui centenas de boas bibliotecas escolares; assim como a Áustria, Dinamarca e Suécia. Cada país europeu tem mais ou menos atividades.

C. P.: Que tipo de trabalho o senhor desenvolve tanto na Secretaria de Cultura do Estado de Hessen, quanto na Associação Regional de Bibliotecas Escolares no Estado de Hessen?

G. S.: A Associação Regional, uma ONG, publicou ideias, propostas e conceitos. Ela começou há cerca de 25 anos. O Ministério de Educação de Hessen, apesar de não ser oficialmente responsável, começou algumas atividades (uma conferência bienal, caixas de livros, um software de catalogação). Eu tive a oportunidade de organizar um treinamento de professores para bibliotecas escolares e eu pude construir um caminhão que foi de escola em escola para que fossem ministrados os cursos.

C. P.: Com a crise econômica mundial deflagrada a partir de 2008, muitos países anunciaram cortes nos serviços públicos, incluindo bibliotecas, principalmente na Europa. A Alemanha teve alguma medida nesse sentido?

G. S.: As dívidas públicas em quase toda a Europa estão bem alarmantes. É uma péssima tradição cortar primeiros os orçamentos para as bibliotecas.

C. P.: Há pouco mais de um ano o Brasil aprovou uma lei que obriga a todas as escolas do país a terem bibliotecas escolares e essas bibliotecas ficam obrigadas, também, com esta lei, a ter bibliotecários em cada instituição. A Alemanha já viu medida parecida?

G. S.: Nós não temos uma lei similar em nenhum dos nossos 16 estados. Por outro lado, a Suécia tinha uma lei assim, só que não acontecia na prática. A lei é um bom sinal. Agora com fundos e com inteligência, conceitos criativos se fazem necessários.

Emilia Sandrinelli: Essa lei garante um prazo de 10 anos para que as escolas possam ter sua própria biblioteca. O país tem muito mais escolas do que é capaz de formar bibliotecários. Em sua opinião, qual poderia ser a solução para essa situação?

G. S.: Em minha opinião, uma solução de cima para baixo seria burocrática e muito complexa. A biblioteca escolar é uma parte da escola. Algumas ideias: a responsabilidade pela biblioteca deve ser dada à escola, para a diretoria da escola. A escola desenvolve um conceito e recebe verbas. A escola oferece para um ou dois professores a formação de professor-bibliotecário ou de especialista em mídias. O curso dos professores-bibliotecários para todas as escolas deve ser o primeiro passo; o distrito ou estado estabelece uma central de serviços com uma equipe de bibliotecário, especialistas em mídias e profissionais de TI. Eles aconselhariam as escolas e ajudariam a preparar os cursos de treinamento. Eventualmente eles ajudariam quando a escola está desenvolvendo um conceito; do primeiro momento em diante, a biblioteca escolar deve ser um moderno centro de mídias: um centro de suporte nacional ou estadual ofereceria cursos on-line, e-books, bases de dados e cloud-computing. A biblioteca escolar teria laptops, tablets ou leitores de e-book. Você não precisaria mais de grandes laboratórios de computadores ou de uma complexa administração de TI na escola, mas de uma rápida conexão de internet; as bibliotecas escolares já existentes deveriam ser valorizadas, apenas as melhores receberiam verba. Chegará o dia em que professores europeus irão para o Brasil para aprender como criar boas bibliotecas escolares.

E. S.: No Brasil nós temos 30 mil bibliotecários e com essa nova lei, eles precisariam atender a 200 mil escolas em um período de 10 anos. Cada escola precisa ter um bibliotecário de agora até daqui a 10 anos. Mas esse tempo não é suficiente para graduar todos esses bibliotecários; não há a capacidade de graduar tantos bibliotecários em um período tão curto de tempo. O senhor acha que uma possível solução seria propiciar cursos de especialização para professores para que eles possam lidar com o trabalho nas bibliotecas?

G. S.: Eu penso que sim. Vamos assumir que você conseguiu atingir o número de 100 mil bibliotecários formados em 10 anos e eles vão para as escolas. O que você espera que a escola faça? Se eu fosse diretor de uma escola no Brasil e um dia, daqui a cinco anos, um  bibliotecário batesse na minha porta dizendo: “Eu fui mandado pelo governo, eu sou o bibliotecário da sua escola”. Eu ficaria bastante surpreso. Eu não saberia o que ele poderia fazer. Então na minha proposta, o primeiro passo é a escola desenvolvendo um conceito; a escola tem que preparar a sua biblioteca e escolher um ou dois professores. Eles não podem arcar com um ensino universitário de dois, três ou quatro anos como é comum nas universidades. Você tem que dar pequenos passos e nos próximos dois anos eles vão ter três, quatro ou cinco semanas de instrução e serão capazes de fazer o trabalho inicial na biblioteca escolar. Mas você precisa de milhares de bibliotecários para ensinar os professores e eu acho que esse poderia ser o modelo se você não pode esperar até ter uma geração de bibliotecários escolares que demora quatro ou cinco anos para se formar. Vocês têm esse problema: vocês têm 50 mil bibliotecários e as escolas estão pensando: “Para que? Nós não pedimos para vocês virem. Nós não sabemos o que fazer.” As escolas têm que saber como elas devem construir a biblioteca, quem será o diretor da biblioteca, o que o bibliotecário pode fazer. Esses primeiros passos tem que vir da escola.

E. S.: Então agora que nós temos essa lei e que precisamos trabalhar com ela, uma solução seria começar a trabalhar pelas escolas e não pelos bibliotecários. Nós deveríamos primeiro preparar as escolas e depois mandar para lá os bibliotecários ou professores-bibliotecários?

G. S.: Eu não sei qual é a estrutura das autoridades no Brasil, mas vocês têm muitos distritos e vão precisar de muitos bibliotecários para ir até esses distritos e cidades e aconselhar as escolas. E essa é a reserve de mercado para os bibliotecários: ensinar os professores e as escolas a como ter uma biblioteca escolar.

E. S.: Então esse seria o papel principal do bibliotecário nessa situação?

GS: Eu acho que os bibliotecários deveriam propor que eles sejam responsáveis por instruir os professores para que eles se tornem professores-bibliotecários. Vocês vão precisar de milhares de professores para instruir o número suficiente de professores.

E. S.: Durante a palestra, o senhor falou sobre “competência informacional” na qual o bibliotecário teria um papel fundamental. Você poderia explicar um pouco mais sobre “competência informacional” e qual seria o papel do bibliotecário?

G. S.: Eu acho que nós não podemos superestimar isso. Primeiro eu diria que existe um pouco de exagero em torno desse assunto, acho que não é de todo importante. O importante é que os estudantes falem sobre os fatos, falem sobre textos e não devem gastar muito tempo procurando, então eu estou convencido de que os bibliotecários precisam ajudar as crianças a encontrarem os livros ou informações na internet, mas o objetivo não pode ser que as crianças virem bibliotecários. Então nós devemos ter calma com esse assunto, não é tão importante assim.

E. S.: Na entrevista por e-mail o senhor mencionou o professor-bibliotecário. Como isso funciona? Os bibliotecários precisariam fazer um curso de especialização ou os professores deveriam fazê-lo? Como deve funcionar em termos de graduação e de tempo de estudo?

G. S.: Existem muitos modelos no mundo para conseguir essa qualificação. Você pode se tornar um especialista em mídias para biblioteca escolar no Estados Unidos, na Austrália e em diversos países. O problema é que o governo não está disposto a pagar por esse treinamento extra. Existem modelos de estudo de como essa qualificação deveria ser, mas não existe Mercado. O importante é a necessidade de qualificação extra, porque depois de se formar em biblioteconomia pública, você ainda não é um especialista em biblioteconomia escolar, você precisa de uma qualificação extra.

E. S.: O senhor poderia falar um pouco mais sobre o projeto “Bibliotecas em caixas” que o senhor mencionou na palestra?

G. S.: O “Bibliotecas em caixas” era, no início, apenas para ajudar as bibliotecas que tinham pouca verba para comprar livros para seus acervos. Mas as escolas começaram a dizer: “nós das caixas, nós utilizamos os livros, mas não os compramos”. E isso foi muito bem sucedido, porque, para os professores, ir até a biblioteca gasta muito tempo. Um professor é forçado a dar sua aula em um curto período de tempo, não tem tempo para ler, tem apenas quarenta e cinco minutos e precisa chegar ao final, alcançar uma meta e, por isso, os professores acabam não indo à biblioteca.  O “Bibliotecas em caixas” é uma proposta “venha a biblioteca, nós preparamos uma lição, você não vai ter nenhum trabalho extra e pode trabalhar com vários livros”. É uma proposta para que os professores minimizem o tempo de preparo das aulas.

E. S.: Então essa é uma solução para minimizar o tempo que o professor gastaria levando as crianças até a biblioteca, talvez os próprios bibliotecários das escolas poderiam fazer isso dentro das escolas.

G. S.: Sim, essa é minha ideia do que um bom bibliotecário deveria fazer. Eu, como um professor, sei que quando eu vou à biblioteca, existe lá um especialista que vai me ajudar a ensinar de uma maneira melhor, com mais qualidade e eu sei que esse profissional sabe como eu poderia preparar melhores lições.

Emília Sandrinelli é editora da seção Educação

Chico de Paula é diretor de redação da biblioo

 

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