03 set

Coordenadora do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas fala ao Instituto Ecofuturo

O Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas do Ministério da Cultura já existe há duas décadas. Mas somente nos últimos anos é que tivemos mudanças significativas na condução de políticas públicas para bibliotecas no Brasil. Nessa entrevista exclusiva ao Instituto Ecofuturo, a coordenadora do SNBP, Elisa Machado, esclarece quais mudanças são essas e quais os esforços empreendidos pela instituição para formular e induzir políticas públicas de qualidade para a formação efetiva de leitores em todo o país.

Nesses mais de 20 anos de existência do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas, o que se constata, em linhas gerais, entre o antes e o depois da implementação desse instrumento no país?
 
O Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas (SNBP) foi criado por meio do Decreto Presidencial n° 520, de 1992, como um movimento agregador de interesses das três esferas de governo na área de bibliotecas. Porém, antes mesmo desse decreto, as ações de apoio e ampliação do número de bibliotecas públicas no país faziam parte das diretrizes do Instituto Nacional do Livro (INL). No entanto, a nossa formação eurocêntrica reduziu por um longo tempo as políticas de cultura às políticas para as artes eruditas, e esse fato marcou também as políticas para a área de bibliotecas no país.
 
Como esse pensamento afetou as políticas para bibliotecas?
 
Por exemplo, por muitos anos o foco de investimento do governo em bibliotecas se baseou no fomento a produção de livros, os quais deveriam se transformar em acervos de bibliotecas públicas. Ou seja, as bibliotecas em todo o país eram receptoras passivas da produção intelectual nacional. Não se levava em consideração as especificidades locais e muito menos as necessidades de informação e leitura dos usuários dessas bibliotecas.
 
Então, a criação do SNBP foi uma atitude inovadora para a época, mas somente nos últimos anos, com a adoção pelo Ministério da Cultura de um conceito mais abrangente de cultura, é que teve início uma mudança significativa na condução das políticas públicas culturais e, consequentemente, para a área de bibliotecas. Isso resultou na implementação de metodologias e ferramentas para ampliar a participação e o controle social nos projetos e programas que envolvem as bibliotecas, promovendo a cooperação federativa e estabelecendo sinergia entre os subsistemas que o integram (Sistemas Estaduais, Municipais e Redes Locais de Bibliotecas). Foi a partir dessa mudança que as iniciativas locais passaram a fazer parte das linhas de ação do SNBP, como é o caso das bibliotecas comunitárias e pontos de leitura.
 
O SNBP tem poder de tornar obrigatórias determinadas diretrizes para órgãos estaduais e municipais de bibliotecas? Como seria isso e quais os esforços que concorrem para a concretização desses mecanismos?
 
O SNBP não é um órgão fiscalizador e sim formulador e indutor de políticas públicas de qualidade que tenham como resultado o formação de cidadãos leitores, por meio da democratização do acesso à informação e à leitura. Trabalhamos no sentido de construir diretrizes para a área com o objetivo de empoderar os Estados e Municípios para que eles implementem ações e programas que resultem na melhoria dos espaços, acervos e serviços prestados pelas bibliotecas públicas. Entendemos também que é preciso demostrar aos governos locais os impactos e benefícios que uma determinada comunidade, ou município, pode ter ao melhorar os seus índices de leitura e de acesso à informação, e como a biblioteca pública pode colaborar nesse processo.
 
Existe algum mecanismo de mapeamento e diagnóstico das redes de bibliotecas públicas no Brasil, bem como o levantamento das demandas específicas das diferentes localidades em que se inserem?
 
O SNBP possui um Sistema de Gestão de Informações (SGI) que controla todos os nossos dados institucionais. Por meio desse sistema nós monitoramos os nossos investimentos nos Estados, Municípios, instituições privadas sem fins lucrativos e pessoas físicas responsáveis por ações que envolvem bibliotecas públicas, comunitárias e pontos de leitura. Além disso, temos também o Cadastro de Bibliotecas Públicas do SNBP onde controlamos as informações básicas de bibliotecas públicas e comunitárias no país.
 
Essa base foi construída ao longo dos anos pelo SNBP e vem sendo atualizada continuamente em conjunto com os Sistemas Estaduais de Bibliotecas Públicas. Por meio desse conjunto de ferramentas é possível cruzar e analisar dados para pautar nossos investimentos.
 
Estamos trabalhando também em conjunto como o Sistema Nacional de Informação e Indicadores Culturais (SNIIC), do Ministério da Cultura, para avançar nessa área e criar uma base que seja alimentada e controlada pela própria sociedade. Essa nova base nos dará condição de identificar não só a localização e o status da biblioteca, mas também suas condições de acesso, perfil de usuários, entre outros dados. Entendemos que num país de dimensões continentais não temos condições de manter esse tipo de informação centralizada e atualizada ao mesmo tempo.
 
Poderia citar algum sistema de bibliotecas públicas modelo, vigente nos níveis municipal e estadual, bem como apontar em que medida são casos de sucesso?
 
É difícil indicar um Sistema Estadual modelo, pois cada um deles trabalha de acordo com as suas especificidades locais e territoriais. Imagine que um Sistema que atua na região amazônica utiliza metodologias e meios de controle e apoio às bibliotecas para aquela região bem diferentes de um Sistema Estadual que atua na região sul do país.
 
De modo geral os Sistemas Estaduais fazem um trabalho muito importante junto aos governos locais, no sentido de sensibilizar as prefeituras sobre a importância de manter uma biblioteca pública aberta e oferecer serviços de qualidade no que tange ao acesso à leitura e à informação. Trabalham também na articulação de ações junto com as Escolas de Biblioteconomia e os órgãos de classe, tais como Sindicatos e Conselhos Estaduais, e são importantes interlocutores e fomentadores de Planos Estaduais e Municipais do Livro e Leitura em seus territórios.
 
O sucesso do desempenho dos Sistemas depende em grande parte do nível e da qualidade dos investimentos que os Governos de Estado destinam às políticas públicas na área de cultura.
 
Quais os esforços empreendidos pelo SNBP para criação, implantação, monitoramento e avaliação de políticas públicas de bibliotecas? Quando se tornaram mais abrangentes e sistemáticos e em que medida é o seu alcance em território nacional?
 
Nos últimos 8 anos, principalmente após a criação do Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL), o governo federal ampliou de maneira progressiva os investimentos em bibliotecas públicas. Isso resultou na implantação e modernização de mais de 3.000 bibliotecas públicas no país e no apoio às iniciativas sociais, por meio do programa Pontos de Leitura. A partir desse momento ficou evidente a necessidade de criar estratégias de acompanhamento e avaliação desses investimentos com vistas a melhoria e ampliação.
 
Quais são essas estratégias de acompanhamento?
Dentre essas estratégias temos:
 
-Bases de dados internas com o controle dos contratos de comodatos e convênios firmados entre a Fundação Biblioteca Nacional e os Estados, Municípios e Instituições privadas sem fins lucrativos que receberam recursos ou bens materiais para apoiar bibliotecas públicas e comunitárias;
 
-Visitas técnicas presenciais a espaços apoiados;
 
-Assessoria técnica à distância para orientar os governos, bibliotecários e cidadão na boa condução e implementação de serviços em bibliotecas.
 
Quando falamos em política pública para bibliotecas, no âmbito de atuação do SNBP, podemos considerar – para além das sistematizações e normas técnicas – a formação efetiva de leitores? Como isso poderia ser avaliado?
 
Com certeza! A Biblioteca pública tem por missão atuar como um espaço de acesso à leitura, à informação e à produção cultural. Portanto, tudo o que ela faz e oferece tem por objetivo estimular a leitura e colaborar para a formação de novos leitores. Todos os instrumentos utilizados para sistematizar as informações em uma biblioteca podem ser considerados recursos para facilitar, otimizar e democratizar o acesso à informação, resultando na ampliação das possibilidades de leitura da população brasileira. No entanto, sabemos que não basta um acervo bem organizado, é preciso uma equipe capacitada para atuar como mediadores de leitura e, acima de tudo, como agentes culturais locais.
 
Qual o impacto sobre a SNBP da lei 12.244/10, que torna obrigatória a implementação de bibliotecas em toda a rede de ensino do país até 2020? Em que medida as diretrizes da SNBP podem contribuir para a efetivação dessa lei?
 
Entendemos que o Plano Nacional do Livro e Leitura (PNLL) é a nossa grande diretriz e, com base nele, defendemos também a Lei 12.244/10, que trata da implantação de bibliotecas escolares no país.
 
Acreditamos que existe uma grande diferença entre as bibliotecas públicas e as bibliotecas escolares, pois estas trabalham muito afinadas com o projeto pedagógico da escola. Já a biblioteca pública está no meio da comunidade e atende a todos os usuários, sem distinção, não podendo concentrar seus serviços somente no público escolar.
 
Historicamente, em função da carência de bibliotecas escolares no Brasil, as bibliotecas públicas foram utilizadas quase que exclusivamente para atender a comunidades escolares. Isso, de alguma forma, afastou outros usuários que também necessitam de espaço e serviços de informação e leitura, tais como pessoas idosas, adultos, jovens, entre outros, que estão em busca de espaços culturais para o exercício da sociabilidade, em busca da autoinstrução, de lazer e de produção cultural.
 
Acreditamos também que devemos unir esforços para implementar bibliotecas públicas e escolares, de qualidade, que atendam às reais necessidades e expectativas da nossa população.
 
Existe um tratamento específico da SNBP dispensado às bibliotecas escolares? Como isso se desdobraria nos âmbitos público e privado de ensino?
 
As bibliotecas escolares não estão dentro do escopo de atuação direta do SNBP, mas entendemos que num pais com os baixos índices de leitura como o nosso não é possível termos um modelo único de biblioteca escolar, ou de biblioteca pública. Portanto, estimulamos a aproximação desses espaços e o trabalho em conjunto na criação, ampliação e qualificação das bibliotecas escolares e públicas.
 
Nos pequenos municípios brasileiros, por exemplo, não tem sentido criar um Sistema Municipal de Bibliotecas Públicas. O ideal é criar redes locais de bibliotecas públicas, comunitárias e escolares estabelecendo um trabalho colaborativo entre elas.
 
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Para saber mais sobre o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas, acesse: http://snbp.bn.br/
 
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Equipe responsável: Instituto Ecofuturo
Entrevista e estabelecimento de texto: Reni adriano
 

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