15 maio

Hoje vivemos tanto quanto os crocodilos, mas menos do que os papagaios: não existe melhor idade!

Como você encara a passagem do tempo? Em cada etapa da vida somos condicionados a observar o comportamento adequado àquele momento no tempo.

Cada etapa estimula determinados interesses e atividades. Assim, espera-se que a criança brinque, o adulto trabalhe, e o idoso descanse. Mas quem dita isso? É uma imposição do mercado de produção e consumo? É uma decorrência das mudanças que o corpo humano assume ao longo da vida? Ainda não temos força, concentração e conhecimento na infância. Adultos, temos vigor físico, algum saber acumulado e disposição. Idosos, mais conhecimento, mas as limitações do corpo começam a se mostrar. Mas é preciso que seja assim?

Costumamos enquadrar as pessoas em categorias de similaridade, como se guarda coisas em gavetas. Por que essa expectativa de uniformidade? Cada vez mais, há um consenso de que isso não funciona. Cada um vê o mundo e o outro de forma única. Apesar de generalizações possíveis, somos todos diferentes. A individualidade é o que nos define. Temos nossa tribo, mas cada desenho sobre a pele é único, cada colar tem um trançado, cada cocar, um arranjo. Cada arranjo, uma mensagem. E isso é bom, significa respeito à diversidade. Assim, avançamos, e desenvolvemos melhor nossas qualidades.

O tempo da criança é diferente. Mesmo descontadas as diferenças culturais e sociais, o ‘zeitgeist’ que nos envolve e condiciona, a percepção da passagem do tempo é diferente para eles. O presente toma todo o tempo. O passado não existe; o futuro pouco se mostra. É ideal que a criança tenha tempo disponível para sua formação educacional, relacional e motora. A atividade lúdica, na espécie humana e em outras, permite adquirir habilidades e conhecimentos sobre si mesmo e os outros. Isso em condições mais ou menos ideais, pois situações de miséria não garantem o respeito a esses direitos.

E não só às crianças, pois a miséria crônica e institucionalizada pode roubar de muita gente felicidades que lhe seriam de direito. Mas, quando se trata de crianças, é mais grave: se o tempo da criança é gasto com preocupações que não seu próprio universo em formação, algo se perde. Etapas essenciais para a qualidade do adulto que ela vai ser podem ser ignoradas.

Falamos sobre crianças, mas o tema é maior: tempo. Um conceito complicado até para cientistas. Muito mais para nós, meros mortais. E usando essa expressão já desgastada sobre a morte, lembramos que o tempo tem a ver com a percepção das coisas no espaço que ocupamos. Portanto, de seu fim, e desaparecimento. Da ausência.

Essa consciência da finitude das coisas causa uma urgência que pode chegar a angustiar. Temos que deixar nossa marca sobre a Terra. Temos prazo de validade, acreditam alguns. Somos eternos, dizem outros. Isso é tema para muitos tratos mentais na história do homem, produzindo variados registros sobre a passagem do tempo. ‘2001: uma odisséia no espaço’, filme de Stanley Kubrick, de 1968, trata de criação, tempo, morte e eternidade, com rigor científico e algum pessimismo. ‘Inteligência Artificial’, de Steven Spielberg, feito em 2001, trata as mesmas questões com delicadeza e melancolia. O tema não acaba.

O tempo pode ser encarado como parceiro, e não adversário. E nisso, somos bons: o ser humano engenha coisas para entreter o tempo. Enchemos o cotidiano de tarefas para que o dia seja vencido sem dor. As subdivisões do dia são usadas como peças de um mecanismo que montamos para nos desviar a atenção do fato de que um dia as coisas acabam.

Mas o dia não é nossa única escala. O dia forma semanas, as semanas, meses, os meses, anos. Fragmentos de dimensões variadas compondo o tempo da vida. A maioria das escolhas que fazemos na vida é feita com antecedência. Decisões cotidianas geram efeitos cotidianos. Quando alguma coisa não está dando certo, pensar que amanhã a questão que tanto nos aflige talvez já tenha passado é reconfortante. O tempo se encarrega de algumas coisas. Entre elas, de aplainar os sentimentos. O tempo cura. Cada etapa da vida traz sabores e dissabores diversos: a criança tem suas próprias alegrias, os adultos também, e assim ao longo da vida. Assim, não existe a “melhor idade”.

Esse conceito pode ser frustrante, pois tenta mascarar aspectos difíceis, inerentes ao envelhecimento. Esta sim é uma palavra tabu: envelhecimento.

Todos querem amadurecer, mas, envelhecer, do que se trata? Somos bombardeados com informações de que envelhecer é ruim. O mercado de produção e trabalho, usando os conceitos descartáveis da geração abecedário (X, Y, Z, como modelos de automóvel ou de impressora) nos diz que ficamos mais lentos e menos tolerantes. Para alguns, é a preliminar do desaparecimento, como se fôssemos antílopes que já não conseguem correr na savana, e devam ser deixados para trás, entregues aos leões. Ao mesmo tempo, o mercado de consumo e comunicação, ávido pela renda eventualmente acumulada ao longo da vida, direciona campanhas para a “melhor idade”, como se, de repente, as dificuldades da vida desaparecessem, e virássemos anciãos sábios, presidindo o conselho tribal e distribuindo bênçãos e presentes para os netos de dentro de uma cornucópia infinita. Nem uma coisa, nem outra.

Nossa individualidade faz com que cada um reaja de forma diversa à passagem do tempo. A sociedade espera que adultos sejam unidades produtoras, gerando renda e fomentando consumo, e cada vez mais os limites dessa etapa produtora (embora nem sempre produtiva) são distendidos. Deixa-se cada vez mais cedo de ser criança, transferindo ansiedades e competitividade de adulto à infância. Crocodilos vivem cem anos; hipopótamos, só a metade.

Para eles, e nós, humanos, não existe a ‘melhor idade’. A expectativa de vida no Brasil subiu de 54 anos, em 1960, para 74 anos em 2013. Assim, a aposentadoria vem cada vez mais tarde. Isso pode ser bom, quando há qualidade de vida.

Passados os anos de produção mais intensa do adulto, temos uma situação que pode ser privilegiada. O tempo pode trazer mais experiência, e alguma segurança sobre nossos reais interesses. Dá pra assumir que perder tempo com coisas que não são interessantes não vale a pena. E a vida tem que valer a pena.

Esse amadurecimento pode resultar em grandes surpresas: não é raro que, depois de alguma idade, alguém descubra novas aptidões, eleja um novo interesse profissional ou criativo, e passe a se dedicar a ele. Novos talentos podem ser descobertos nessa etapa. Carreiras podem se iniciar após os 60 anos; novos amores, aos 70, novas diversões, aos 80. E daí por diante.

Oscar Niemeyer passou dos 100 anos trabalhando diariamente em seu escritório. Era um gênio. Envelhecer bem, entretanto, não deve ser privilégio dos gênios. É coisa para todos nós, meros imortais.

Autor: Alessandro Sbampato

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