26 set

Iguais entre desiguais sem desigualdades

…….Um renomado pensador disse que no fundo não queremos e não suportamos a igualdade. A história da humanidade é pródiga em demonstrações desta natureza. Nossa história é uma história de dominação, do homem sobre o homem, do homem sobre a natureza. E assim chegamos aqui: 7 por cento de mata atlântica, a prática da infibulação feminina, à recente tragédia na Noruega, à intensidade do bullying nas escolas. Não dá pra pensar em equidade na educação sem contextualizar, pois educação é meio, não é fim.

Não sou especialista em educação – na verdade, não sou “especialista” -, mas tenho a mais absoluta convicção de que não há equidade possível sem o pleno exercício das competências de leitura, escrita e argumentação oral. Não há equidade possível sem o pleno acesso ao conhecimento produzido pela humanidade e contido nos livros. E tenho a mais absoluta certeza, alimentada e reciclada em onze anos de trabalho e estudo, que construir uma cultura de leitura é um grande desafio civilizatório, sobre cujas estratégias de solução mais ignoramos do que sabemos, e quem diz isto são pesquisadores de várias partes do mundo, pois o analfabetismo funcional é fenômeno mundial, que no Brasil adquire proporções do tamanho de seu território e de sua história de colônia.

O analfabetismo funcional nos impede de nos alfabetizarmos na humanidade que precisamos conquistar – como diz Fernando Savater, “não nascemos humanos, nos tornamos humanos por convívio e por contato”. O grande desafio é descobrir que a chave está em reconhecer o que nos torna iguais entre desiguais; que nossa igualdade está dentro e não fora de nós, que compartilhamos sonhos, medos, esperanças, contradições…. Coisa que a literatura é prodiga em revelar: estamos conectados a um mesmo destino comum.

Compartilho uma livre adaptação do pensamento da autora e pesquisadora colombiana Yolanda Reyes: a literatura é uma nutrição emocional oferecida pelo acompanhamento amoroso dos adultos. É expressão da nossa humanidade comum, e material simbólico fundamental que deve ser oferecido à criança e ao jovem para que descubram não apenas quem são, mas também quem querem e podem ser.

A literatura acorda a fantasia, a imaginação, vitais para o cérebro realizar sinapses sobre temas abstratos – como a matemática – e desafiadores, como a equidade e a sustentabilidade. O mundo que queremos não existe, ele precisa ser imaginado. Sabe bem sobre o que estou falando quem leu o recente livro do neurocientista Miguel Nicolelis, Muito além do nosso eu, onde traça um panorama sobre 200 anos de neurociência e apresenta as ICMs (interface cérebro-máquina), desenvolvidas sob sua coordenação no laboratório da Universidade Duke, nos EUA.

Pelo exposto – e muito mais – considero que integra a conquista de equidade na educação fazer valer a lei 12.244/2010, que determina que em 10 anos todas as escolas do Pais, públicas e privadas, devem ter uma biblioteca.

Para tanto, é profundamente necessário (1) incluir no currículo das universidades a formação leitora e literária dos professores; (2) somar conhecimentos para pensar esta biblioteca com espaço adequado, acervo qualificado e pessoas especialmente formadas para iniciar na leitura os alunos, professores e a própria comunidade – e sei “de carteirinha” que o gosto pela leitura não pode surgir da simples proximidade material com os livros, é preciso que alguém lhes dê vida, e não acontecerá de uma hora para outra; construir cultura leitora é tarefa pra toda uma vida (o prazer da leitura se constrói e a competência se desenvolve através da leitura) e (3) implementar uma força tarefa inteligente e cooperada que leve formação em gestão e políticas públicas para que os administradores locais saibam como acessar as fontes de financiamento, os recursos federais existentes, beneficiando a qualidade de educação de uma forma geral. Por exemplo, sei que o Plano de Ações Articuladas (PAR), apesar de ser um mecanismo eficiente, não é acessado pela grande maioria dos municípios, “simplesmente” porque não há conhecimento local constituído.

Segundo contabilidade realizada pelo Todos Pela Educação em 2010, executar a Lei significa construir 24 bibliotecas por dia, ao longo de 10 anos! Bom, agora já são nove.

*Autora: Christine Fontelles – Diretora de Educação e Cultura do Instituto Ecofuturo. Formada em Ciências Sociais com MBA em marketing pela FIA/FEA/USP.

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