16 jan

Imagine, por Eduardo Jorge

A forma de viver destes últimos séculos, marcados pela revolução industrial, pelo capitalismo e pelo socialismo, trouxe muito progresso, desenvolvimento econômico e científico, porém não resolveu – e até agravou – o sofrimento da desigualdade social. Espalhou mais ainda a cultura da violência. E, finalmente, a ignorância e o desprezo em relação ao meio ambiente levaram-nos a uma crise que ameaça nossa própria vida de humanidade e a de milhares de outras espécies no planeta: o aquecimento global.

O Brasil é parte desse problema.

Não é que não avançamos nos últimos 20 anos de redemocratização do país. Sim, melhoramos nossa convivência democrática, melhoramos a integração das populações mais pobres e até o controle da nossa economia. Mas tudo isso ainda é muito pouco diante do tamanho do nosso país e das aspirações do nosso povo. É preciso mais democracia, mais ética na vida pública e nas relações econômicas e sociais, mais acesso de toda a população aos verdadeiros bens da vida: a cultura, a educação, a saúde, o lazer, a segurança alimentar. Precisamos de um desenvolvimento da nossa economia com vistas para o presente e o futuro, e não para o passado.

O Brasil é parte dessa solução.

Ao contrário do passado recente, quando modelos capitalistas e socialistas tinham vocação internacional, porém matrizes e prioridades egoisticamente nacionais que muitas vezes degeneraram em imperialismo, opressão e conflitos comerciais ou armados, o presente exige uma integração mundial baseada no diálogo e na fraternidade entre as nações. Não existe salvação possível para a atual crise econômica, social e ambiental, da qual as mudanças climáticas são a síntese mais acabada, que não seja orquestrada pelo diálogo entre as 200 e mais nações grandes, médias e pequenas, que são, na sua variedade cultural, uma das riquezas do planeta. A ONU, como um edifício em construção, é um sinal claro da capacidade que a humanidade tem de construir uma governança mundial que reconheça e preserve nossa diversidade cultural e nacional, porém nos conduza a um porto compartilhado nas grandes questões do presente e do futuro.

E quais são essas questões?

Primeiramente, temos três pressupostos: democracia, direitos humanos e cultura de paz. São elaborações imprescindíveis da cultura política da humanidade. As diferenças de idéias, de ideais, de desejos, de crenças, são próprios da nossa espécie, e são riquezas: representam  diversidade na forma de ser e não podem ser reduzidos por uma regra única, por um dogma, por uma disciplina, por uma autoridade. É preciso, então, que a democracia seja cada vez mais profunda, mais representativa, mais participativa. É preciso respeito aos direitos de todos os humanos sem distinção de cor, sexo ou crença.

Substituir a cultura da violência, da lei do mais forte, da lei da selva, pela cultura da paz, que possibilita o diálogo da não violência entre os diferentes. Cultura de paz não é postura de timidez e submissão ao mais forte nem recusa de olhar de frente os conflitos próprios da nossa existência e diversidade. Ao contrário, como disse Gandhi, a cultura da paz é a característica dos mais corajosos e generosos entre os humanos.

Mesmo o uso da força, às vezes legitimado pela democracia quando se trata de debelar conflitos que degeneram em violência aguda, deve ser prudente e recorrer a métodos voltados para recompor a possibilidade da convivência, da tolerância, da aceitação, e não para destruir o outro ou os outros.

Partindo desses três pressupostos, chegamos às bases das nossas tarefas imediatas e futuras:  justiça social, equilíbrio ambiental, economia integradora.

Falo de uma justiça social que não seja uma imposição do igualitarismo raso, compulsório, que as pessoas não querem, pois elas são diferentes nos seus desejos e valores. Que signifique, isto sim, uma nova abolição da escravidão representada pela riqueza extrema e pela pobreza extrema.

O consumismo insustentável é uma ameaça ao planeta. A opressão da miséria é uma ameaça diária à vida humana. Programas compensatórios, uma seguridade social redistributiva, uma política de tributos realmente justos, uma garantia de acesso ao trabalho digno são necessários para o acesso aos bens vitais, para uma vida segura e momentos de felicidade para os indivíduos e para as famílias. Fazem parte disso o acesso universal aos serviços de saúde; uma educação viva e permanente para todas as idades, particularmente para os jovens, que respeite suas novas formas de ver o mundo; o acesso a bens culturais produzidos pela alma popular e pelos gênios e artistas de toda humanidade; a possibilidade de lazer e esporte; o direito à mobilidade na cidade; e, por fim, uma habitação saudável.

Falo de um equilíbrio ambiental que não seja um imobilismo artificial que a própria natureza, sempre em movimento, não acolhe. A natureza é mudança sempre, uma sucessão infinita de equilíbrios ambientais, nunca o mesmo. O que nós queremos é o reconhecimento prudente de que os recursos naturais são finitos e devem ser administrados com ciência, com sabedoria, para que estejam presentes para as gerações futuras que não veremos, e que dependem de nós, da nossa forma de viver no presente.

Além disso, o nível de consciência privilegiado da espécie humana implica uma responsabilidade proporcional de respeito e proteção às outras espécies vivas, vegetais e animais. Também aqui é preciso uma nova abolição. Eles não são nossos escravos. É possível, sim, trabalhar, usar, consumir esses recursos naturais para nosso bem estar e sobrevivência física e espiritual, porém medindo bem cada passo para garantir o máximo respeito possível às outras espécies e uma provisão de recursos suficientes para as gerações futuras.

Falo de uma economia integradora (que alguns chamam de economia verde) que não seja estagnação, não seja rejeição aos recursos extraordinários da ciência, da inovação e do espírito empreendedor dos homens e mulheres.

Trata-se, em primeiro lugar, de reavaliar o uso dos recursos finitos com dois objetivos:  primeiro, deixar a nossos descendentes, em nível suficiente, a herança que mencionamos acima; segundo, redimensionar o consumo atual e o uso atual dos recursos naturais para que caibam no único planeta que temos, a Terra. Não é possível a diferença atual entre Estados Unidos e Moçambique, Honduras ou Bangladesh. Não é possível conciliar o tipo de vida que se leva no hemisfério norte com o justo desejo dos povos que foram oprimidos por séculos de terem acesso ao bem estar e a uma dignidade humana compatível com o equilíbrio ambiental.

Trata-se, assim, de uma mudança responsável do estilo de vida e do padrão de consumo  dos países do norte, e de uma reorientação do desenvolvimento dos países em ascensão, como Brasil, Índia, China, África do Sul, México e outros, para não imitar esse padrão insustentável dos países do norte, e, isto sim, liderar uma nova forma de viver, de conviver, de produzir, de consumir, de usar e preservar os recursos da natureza.

Trata-se, finalmente, da ajuda prestada por esses dois grupos de países, proporcionalmente a seus recursos, para que o terceiro grupo de nações mais pobres saia do nível de estagnação e miséria, em direção ao novo modelo de vida sustentável que é necessário no século XXI.

É possível, sim, que o trabalho, a agricultura, a indústria, o comércio, o consumo, a ciência se movimentem numa nova lógica: a lógica da sustentabilidade. Enfim, o que queremos é conservar o que é bom, o que precisa ser conservado, e revolucionar o que é preciso revolucionar, para o bem de todos e da natureza.

Parece que chegou o momento da igualdade de deveres e direitos, da liberdade com respeito ao diferente e da fraternidade do amor ao próximo como a si mesmo. Parece que chegou o momento da consciência de que é preciso agir de forma solidária no local e no global. No espaço nacional e internacional. Não existe salvação isolada para uma pessoa, uma classe social ou uma nação, por mais forte que aparente ser. O que é bom para o Brasil deve ser bom para o planeta. O que é bom para o planeta deve ser bom para o Brasil.

 

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