11 set

Literatura juvenil ou leitura juvenil?

Dolores Prades – PublishNews, 12/09/2011

Quem leu o artigo de Antonio Ventura “Uma intima confissão” na revista EMÍLIA de setembro deve ter deparado com uma colocação bastante polêmica e interessante. Reproduzo as palavras do autor: “Não sei se hoje é possível falar de literatura juvenil, mas não tenho dúvida de que existe uma leitura juvenil: uma forma de ler que tem a ver com esse momento – a adolescência – em que a vida aparece com um relevo novo, como se a primeira manhã do mundo se inaugurasse para cada um de nós naquele instante. Uma manhã que contém toda classe de tormentas, mesmo que o protagonista ainda não saiba, não possa nomeá-las quando se vir imerso nelas.”

Se a isto somarmos o tom das discussões ocorridas no Simpósio Internacional de Literatura Infantil e Juvenil realizado na 14ª Jornada Nacional de Literatura de Passo Fundo, estamos diante de uma grande questão sobre a natureza do que se entende por literatura juvenil. Diferentemente das fronteiras e dos critérios bem definidos da literatura para crianças, os limites da literatura juvenil carecem de clareza e consenso. A identificação de um determinado destinatário que pode definir o gênero não dá conta de todas as questões que ele suscita.
Resultado da procura do mercado por novos nichos e de exigências ligadas à vida escolar, a literatura juvenil nasce com muitos compromissos para além dos literários. Artificialmente concebida para uma determinada faixa etária – quem trabalha com esse público sabe que suas origens são múltiplas e não apenas sociais e culturais – a literatura juvenil se impõe obedecendo determinadas regras e critérios externos. Muitos deles responsáveis por uma grande amostragem desta produção editorial que se destina e se produz tendo como referencia e finalidade o mediador e as suas necessidades e não o jovem leitor.
Daí a margem de interferência e o campo fértil para os desdobramentos de todas as teorias do politicamente correto e dos temas transversais que converteram parte dessa produção em livros de caráter meramente instrumental, a serviço de conteúdos didático-pedagógicos. A reação a isso é visível e a divisão do mercado, cada vez mais clara. Porém, o que chama a atenção é a força e a presença desses critérios mesmo entre muitas das iniciativas que buscam se diferenciar e procurar um caminho mais próximo do leitor. A escola é a grande entidade que está por trás desta produção e são poucos os autores e editores que ficam fora de sua sombra.
Quem nunca se perguntou, seja autor ou seja editor se aquele final, se aquela temática, se aquela condução da narrativa, se aquela linguagem estariam ou não de acordo, em sintonia, com a escola? Ou nunca se fez a velha pergunta: é um livro para livraria ou para adoção? Esta diferença é o maior exemplo e a marca registrada deste segmento editorial que, para dar resposta a suas inúmeras necessidades, criou gêneros (livros informativos, por exemplo, ou manuais comportamentais, praticamente de autoajuda), investiu em temas e abusou de adaptações e de paratextos para deixar mais “palatáveis” e “adequadas” e direcionar as publicações. E, claro, facilitar o trabalho escolar. Certamente as impertinências e os questionamentos de Emilia, a irreverência de Pedrinho, assim como as temáticas em torno da Segunda Guerra Mundial, seriam impedimentos para algumas editoras publicarem Lobato na atualidade.
Mas em contrapartida a esta vertente da produção, este segmento desenvolveu seu lado mercado com fenômenos como Harry Potter, autores como Philip Pulmann, temas como o dos vampiros. Deixando de lado o peso inegável do marketing e se atendo, por exemplo, aos 14 anos de sucesso da saga criada pela britânica J. K. Rowling não é possível desconhecer a empatia e identificação dos leitores de pelo menos duas gerações com as peripécias do pequeno, hoje crescido, jovem bruxo. Assim como o que significou para o mercado editorial que viu diante desse fenômeno várias de suas teses mais aferradas postas por terra: o jovem não só lê, como devora livros com muitas páginas.
Literatura comercial? Literatura menor? Best-seller? Essa literatura não será capaz de formar leitores? Diante de todas essas questões é bom não perder de vista que estamos falando de jovens leitores, isto é, em formação. De um leitor que, como uma esponja, absorve tudo que lhe cai nas mãos: gibis, clássicos, revistas, séries, livros melhores, livros piores. O leitor maduro, ao contrário, pressupõe uma história de leitura a partir da qual se formam referências, critérios, um repertório capaz de formar o gosto pessoal, de fazer escolhas, de discernir na diversidade das ofertas e escolher de acordo com as suas preferências. Esta diferença é fundamental e não perdê-la de vista limpa a área de muitos dos argumentos em torno das escolhas e da qualidade das leituras que os jovens escolhem e preferem ler.
Sobre esta questão e dependendo do ponto de vista dos adultos as considerações podem ser bem diferentes. Porém, levar em conta o leitor, escutá-lo, é, sem dúvida, um dos aspectos centrais do sucesso de qualquer editor. Daí a importância e o peso da declaração de Luis Schwarcz quando, em longa e obrigatória entrevista ao Estado de S. Paulo, afirma que o maior erro de avaliação da editora foi Harry Potter.
Rever argumentos, redefinir destinatários, se desvencilhar de preconceitos e de esquemas a priori pode ajudar muito a redirecionar a literatura para jovens e a encontrar diferentes pontos de equilíbrio entre os diferentes gêneros que a constituem. Saber exatamente o que se está fazendo e não vender ou comprar gato por lebre é fundamental do editor ao leitor. Trata-se de limpar a área e de rever conceitos e parâmetros para que a discussão avance para além dos impasses que hoje mais entravam do que ajudam a reflexão e produção da literatura juvenil.

 

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