08 maio

O que nós estamos contando?

“Também as estórias não se desprendem apenas do narrador,
sim o performam; narrar é resistir”
(João Guimarães Rosa)
Somos seres narrativos. Da mais simples alegriazinha à perplexidade do luto. Narrar confere sentido ao vivido, e às vezes por reinventá-lo. Portanto, tão importante quanto saber o que as pessoas estão lendo, precisamos nos perguntar: o que nós estamos contando?
Ao descrever a experiência do netinho que, buscando repostas para as mudanças ocasionadas pela chegada do irmãozinho à família, se põe a “repetir” frases extraídas de histórias ouvidas, Maria Betânia Ferreira considera: “Não é repetição pura e simples, não: quando uma criança usa uma frase de livro num momento em que ela cabe direitinho e faz alterações para encaixá-la em uma experiência real, está mostrando que descobriu a magia de beber com os ouvidos e, mais tarde, com os olhos (ou com as mãos), a memória da aventura humana contida no pote da literatura”.
Experiências reais, onde nos encontramos por inteiro e por isso exigem nossa compreensão, nos levam muitas vezes a perguntar, à maneira do poeta Arnaldo Antunes: “Como é que chama o nome disso?”. E por que queremos saber? Porque queremos contar. Não é ao saber o nome das coisas que as compreendemos, mas quando utilizamos esses nomes para narrar. Quanto maior for o nosso repertório, maiores serão nossas possibilidades narrativas. E não se trata de um jogo de perguntas e respostas simples: quando lemos e ouvimos histórias, incorporamos experiências alheias, tornando-as nossas; portanto, ao nos depararmos com uma experiência real, ocorre uma espécie de reconhecimento – é quando aquilo que um dia lemos ou ouvimos brota, como resposta à experiência imediata.
O netinho de Betânia tanto leu pelos ouvidos que um dia começou a narrar! E em palavras grandes, graciosas – tais como será a sua própria vida, uma vez reconhecida naquelas palavras. Uma vida não narrada é absurda, e o absurdo a banaliza. Mas quem narra descobre que nenhuma vida é banal.
O que nossas crianças estão contando? Estamos ofertando a elas condições para que possam narrar, contar de si mesmas? Nem todos serão escritores. Mas, perpassados por uma multiplicidade de vozes é que nos tornamos narradores-autores de nós mesmos.
Quem lê conta. Quem conta cuida.
1“Literatura desde o berço” . O texto, que faz parte da nossa publicação “Pra que serve a literatura?”, pode ser baixado gratuitamente neste link:
http://www.ecofuturo.org.br/pra-que-serve-a-literatura/
Equipe responsável: Instituto Ecofuturo
Texto: Reni Adriano

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