11 jun

Patricia Lacerda, do Instituto C&A, fala da criação de Planos Municipais do Livro e Leitura

“O Plano Nacional do Livro e Leitura – PNLL é um conjunto de projetos, programas, atividades e eventos na área do livro, leitura, literatura e bibliotecas em desenvolvimento no país, empreendidos pelo Estado (em âmbito federal, estadual e municipal) e pela sociedade. A prioridade do PNLL é transformar a qualidade da capacidade leitora do Brasil e trazer a leitura para o dia-a-dia do brasileiro”.
 
As informações constam do próprio documento do plano, lançado em 2007 como uma “Política de Estado, de natureza abrangente, que possa nortear, de forma orgânica, políticas, programas, projetos e ações continuadas desenvolvidos no âmbito de ministérios – em particular os da Cultura e da Educação –, governos estaduais e municipais, empresas públicas e privadas, organizações da sociedade e de voluntários em geral, procurando evitar o caráter por demais assistemático, fragmentário e pulverizado com que se têm implementado essas iniciativas em nosso país”…
 
Embora não se trate de um programa de financiamento das ações e dos projetos inscritos, o PNLL opera a partir de um mapeamento de mobilizações relacionadas ao livro e à leitura, em âmbito nacional. A sistematização dessas ações servirá de parâmetro para elaboração de políticas de promoção de leitura em todo o país, numa rede que integra iniciativas do Estado e da sociedade civil, estimulando a criação de novos projetos e Planos de Livro e Leitura nos âmbitos estadual e municipal. Em vista disso, O PNLL determinou que cada Estado Brasileiro criasse e implementasse seu Plano Estadual do Livro e Leitura (PELL), bem como cada município estabelecesse seu Plano Municipal do Livro e Leitura (PMLL).
 
Para melhor compreender esses desdobramentos, entrevistamos Patrícia Lacerda, Gerente de Educação, Arte e Cultura do Instituto C&A. Desde 2009, através do Programa Prazer em Ler, o Instituto atua na criação de Grupos de Trabalho (GT) em cidades brasileiras para a consolidação de Planos Municipais do Livro e Leitura, em caráter participativo, como política de Estado junto ao poder público local.
 
Quando o Instituto C&A resolveu mobilizar esforços para a consolidação de PMLLs em cidades brasileiras a partir das diretrizes do PNLL do Governo Federal? Quais as linhas gerais de atuação e quais os critérios de seleção dos municípios focados?
Um ponto de atenção permanente do IC&A é a sustentabilidade das organizações e projetos apoiados. Neste sentido temos várias iniciativas, desde o apoio ao projeto de Marco Regulatório das Organizações Sociais, passando pelo apoio ao projeto PNE pra Valer que acompanha o Plano Nacional da Educação, chegando a articulações dos Planos Municipais de Livro e Leitura. Compreendemos que o processo de estabelecimento de planos participativos é necessário para fortalecer a democracia e estabelecer políticas publicas de Estado e não de governo.
 
O Plano Nacional de Livro e Leitura é uma referencia neste sentido. Ele foi construído em diálogo com vários atores sociais, é intersetorial e orienta a elaboração das politicas públicas nos Estados e Municípios que venham a garantir o direito à leitura. Os primeiros movimentos de mobilização para pensar em planos tiveram lugar nos encontros de formação do programa Prazer em Ler em 2009, quando começamos a discutir com mais ênfase as possibilidades de apoio público aos projetos de leitura que eram desenvolvidos pelas bibliotecas comunitárias participantes do programa.

Porto Alegre foi a primeira cidade brasileira a aderir ao PMLL, em 2012, com 300 mil reais destinados a isso. Mas, passado um ano, o plano não foi implementado, por falta de um conselho gestor, e a verba foi devolvida. O que esse fato nos conta sobre políticas públicas de leitura e o que podemos aprender com ele, tendo em vista o aperfeiçoamento das ações?

Porto Alegre foi a primeira capital a construir o PMLL de forma integrada, mobilizando diversas secretarias do município e sociedade civil, nos moldes das orientações do PNLL/2006. A devolução da verba, em Porto Alegre, reforça como a morosidade nas tomadas de decisões, por parte do poder público, pode prejudicar um processo coletivo de construção. Como diz Marcia Cavalcante, coordenadora da ONG Cirandar "Levamos quatro meses para construir o PMLL, desde a publicação do decreto que institui o Grupo de Trabalho [GT] até a finalização do texto, consultando mais de 2 mil pessoas e 35 entidades de diversas áreas do livro e leitura. A prefeitura levou 14 meses para publicar um edital para criação do Conselho gestor do PMLL. Infelizmente vivemos cotidianamente a realidade de que as decisões só são tomadas mediante a lutas e pressões. A mudança no secretariado, em início de 2013, contribui para avançarmos. Até 16 de junho as entidades interessadas poderiam se cadastrar, para concorrerem ao conselho gestor."

Já em Salvador, cuja Câmara Municipal assinou o decreto que institui o Grupo de Trabalho encarregado de elaborar o Plano de Leitura do município, à sigla PMLL foi acrescentado um "B", de biblioteca. Como se deu isso e que tipo de biblioteca se tem em mente? É um caso especial ou os planos municipais de leitura terão, a partir de agora, a citação explícita da biblioteca?

Em Salvador, quem assinou o decreto instituindo o GT foi o prefeito que percebeu a oportunidade de apoiar um movimento legitimo organizado pela sociedade civil. Segundo os participantes do Grupo, em Salvador, o B de biblioteca vem reforçar a ideia de que é preciso pensar os espaços onde o livro e a leitura vão estar. Há outros movimentos neste mesmo sentido, como no caso do estado do Rio Grande do Sul, cujo plano está tramitando também como PELLLB – Plano Estadual do livro, leitura , literatura e biblioteca.

De que maneira a construção de um Plano Municipal do Livro e Leitura pode conduzir cada município a avançar rumo à universalização das bibliotecas escolares?
A maior contribuição dos planos é que coloca lado a lado os diversos atores que se envolvem no tema do livro e leitura nas cidades e regiões. A partir daí a ideia de um sistema integrado de bibliotecas e espaços de leitura vai ganhando concretude. Juntos, percebe-se a importância de potencializar os diversos projetos e ações. Na experiência do IC&A apoiamos tanto projetos de escolas quanto de bibliotecas comunitárias e sabemos que este ainda não é um dialogo fácil, assim como o diálogo destes com as bibliotecas públicas com as escolares e comunitárias ainda precisa avançar. Justamente por isso, os planos são uma oportunidade de estabelecer conexões, consensos possíveis e uma pauta de luta comum. Uma cidade leitora se faz na medida em que os atores das diversas cadeias de produção de livros e leitores se reconhecem e se articulam.
 
Por falar nisso, como você tem observado a Campanha Eu Quero Minha Biblioteca pelo cumprimento da lei 12.244/10, que determina que até 2020 todas s escolas tenham biblioteca, e que conta com o apoio do Instituto C&A?
O mote da Campanha é muito bom, mas percebemos que esta demanda por bibliotecas não tem uma adesão imediata de boa parte da população. Em parte por desconhecimento, uma vez que há uma parcela que não teve acesso a uma biblioteca de qualidade, em parte por uma experiência negativa com bibliotecas (sobretudo escolares) que não se constituíram em um lugar de encontro e descoberta e, em parte, pela própria crise do modelo de biblioteca numa era de acesso muito mais fácil a informação, desde o advento da internet.
 
Soma-se a isso uma cultura nacional que não valoriza o conhecimento da mesma forma que valoriza o afeto, a festividade, o prazer imediato. Desta forma pensamos que há todo um imaginário a ser trabalhado para valorizar o saber, o estudo, o esforço necessário para aprender. Precisamos reconhecer que há níveis de compreensão do mundo e de nós mesmos que só alcançamos via empenho laborioso, mas que esta labuta compensa totalmente.
 
O interessante é que estes não são aspectos que só uma elite intelectual pode acessar. Nossa experiência é que apostar em organizações e pessoas que por algum meio – professores, igreja, amigos – tiveram contato e se encantaram com as possibilidades da leitura literária, em territórios sem tradição de leitura, é incrivelmente poderoso e profundo. Portanto, a participação do Instituto C&A na Campanha Eu Quero Minha Biblioteca está na perspectiva de colocar nas mãos destes agentes/ ativistas da leitura, ferramentas para mobilizar outros, justamente porque para eles querer uma biblioteca faz todo sentido.
 
Temos também o intuito de contribuir com a Campanha construindo conhecimento a partir dos projetos como o Concurso Escola de Leitores, por exemplo, que seleciona e acompanha projetos exitosos envolvendo bibliotecas escolares. Isso sem esquecer nosso parceiro comum, o Movimento por um Brasil Literário, que também pode atuar criando referências para pensar os conceitos e as possibilidades de fazer valer nossos direitos à cultura escrita, à complexidade e à literatura.
 
 
 
*******
 
No vídeo abaixo, extraído do 6° Seminário Potiguar Prazer em Ler, em 2012, é possível conferir o passo a passo da criação de um Plano Municipal do Livro e Leitura.
 
 

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Deixe seu comentário