09 jul

Somos todos iguais por sermos todos diferentes

Somos todos iguais por sermos todos diferentes
“Na Cúpula dos Povos havia grupos muito diferentes, vindos de realidades distintas – populações ribeirinhas, indígenas, campesinos, sem terra, educadores, estudantes – mas com muitas identificações – a mais visível é a luta pela manutenção dos seus costumes, das suas vidas, suas culturas”, diz Ana Barros*, jornalista, ativista em direitos humanos e educadora popular, convidada pelo blog para dar sequência a nossa roda de conversa sobre as impressões da Rio+20.
A diferença é que nos une. E a união, para ser efetiva, tem que ser em rede: “A articulação dos grupos em redes é outra questão relevante – pensar e agir em rede é potencializar as lutas e as soluções”, diz ela.
Se você, professor e educador, está lendo esse blog agora é porque já faz parte de uma rede que pensa e está interessada em como desenvolver habilidades em jovens e adultos para a construção de um futuro sustentável. Agora, está na hora de agir, de dar o seu ponto nessa costura. “A sustentabilidade se dá no nosso cotidiano – individual e coletivo”, diz Ana. O que dá para fazer localmente? Conte pra gente!
Qual o balanço que você faz da Rio+20? Foi positivo? Foi insuficiente? Por quê?
Ambos. Foi positivo, sim, pois foram dias de discussões, debates, rodas de conversa, encontros de milhares de pessoas e seus movimentos, projetos e ações. Conhecer a realidade é sempre muito pedagógico, há centenas de projetos de sustentabilidade acontecendo neste país, em outros países, que não têm visibilidade porque não são notícia. Conhecê-los nos energiza, saber que somos múltiplos nos empodera. Neste sentido a Eco 92, a Rio+20, leia-se Cúpula dos Povos especialmente, é da maior relevância.
Já no sistema ONU e seus resultados, entendo que o encontro ficou aquém das suas possibilidades. Poderia e deveria ter avançado mais, pois a questão do desenvolvimento sustentável é urgente. Enfrentar essa questão é inevitável. Mas os líderes mundiais estão mais (pre)ocupados com a crise econômica, com o nó financeiro do sistema.
Muitas pessoas disseram que a grande perdedora da Rio+20 foi a mulher, por causa da retirada da menção relativa ao direito das mulheres à sexualidade, à reprodução e ao planejamento familiar no texto da Convenção. Você concorda com isso? Qual o papel da mulher na sustentabilidade do planeta e qual é a relação disso com direitos à sexualidade, reprodução e planejamento familiar?
Não diria que a mulher foi a grande perdedora, creio que perde toda a humanidade quando a Igreja Católica mostra que ainda tem ingerência e influência nos nossos destinos, na vida de estados laicos. Na segunda década do século 21 a Igreja Católica Apostólica Romana ainda decide? Quase inacreditável. Ora, o papel da mulher na sustentabilidade do planeta é estruturante, a mulher é a pacha mama, portanto o impacto é enorme.
Em entrevistas, representantes da Cúpula dos Povos disseram “não” à chamada “economia verde”. Você pode nos explicar o que é “economia verde”, seus prós e contras?
Bom, a economia verde é uma expressão muito controversa, veio substituir o “ecodesenvolvimento”, se alguém lembra dessa palavra em voga na Eco92. A ideia base é que os processos produtivos tenham como objetivo o desenvolvimento sustentável – um desenvolvimento que tenha preocupação com os aspectos sociais e ambientais. Ocorre que a expressão (e os processos) acaba sendo utilizada pelo sistema com o propósito de mercantilização e financeirização da natureza – como a compra e venda de espaço na atmosfera por meio do mercado de emissões de carbono, por exemplo. É o que o capitalismo faz, transforma tudo em mercadoria a ser negociada. Como expressa o documento final da Cúpula dos Povos: “O capitalismo também leva à perda do controle social, democrático e comunitário sobre os recursos naturais e serviços estratégicos, que continuam sendo privatizados, convertendo direitos em mercadorias e limitando o acesso dos povos aos bens e serviços necessários à sobrevivência.”
Na verdade, o não à economia verde está em andamento em várias lutas presentes na Cúpula, como aquelas contra as mega represas nos rios da Amazônia, a privatização dos bosques, contra o extrativismo selvagem, a biopirataria etc. O desafio dos movimentos sociais é articular o que já acontece e transformá-los em pressão política junto aos poderes públicos – executivos e legislativos.
Como professores e educadores podem trabalhar os assuntos que foram destaque na Rio+20 localmente, Brasil adentro? Quais ações você viu por lá que poderiam inspirar ou mesmo serem adotadas pelos educadores?
A Carta da Terra e o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global (Art. I – A Educação é um direito de todos, somos todos aprendizes e educadores) são dois documentos que expressam as preocupações, propostas e convergências dos movimentos sociais. É um bom começo. São profundos, emocionantes e podem ser transformadores se bem utilizados. Gosto muito das rodas de conversa, elas são muito simples e eficazes; o educador seleciona com o grupo um dos temas da Carta da Terra e faz uma roda de conversa, provocando a participação de cada um, chegando a uma síntese ao final. O Tratado de Educação Ambiental http://www.youtube.com/watch?v=jAt1vWu_ANY
 está disponível em vídeo, no Youtube, e pode ser uma ótima ferramenta para se falar sobre o tema com crianças e jovens.
A resposta que aguardamos dos educadores participantes do 3º Prêmio Ecofuturo é “Qual é para você, educador, o evento +20 possível e pertinente no seu pedaço de mundo?”. Gostaria que você apontasse uma pista em função dos resultados da Rio+20. Afinal, o trabalho pela sustentabilidade continua com o fim do evento.
Na verdade o evento é exatamente o que diz a palavra – evento. A sustentabilidade se dá no nosso cotidiano – individual e coletivo. Portanto, creio que um bom começo seria a discussão do próprio termo sustentabilidade. O que é isso? O que é desenvolvimento sustentável? Quais são os problemas mais relevantes do seu pedaço de mundo? Na Cúpula dos Povos havia grupos muito diferentes, vindos de realidades distintas – populações ribeirinhas, indígenas, campesinos, sem terra, educadores, estudantes – mas com muitas identificações – a mais visível é a luta pela manutenção dos seus costumes, das suas vidas, suas culturas. A articulação dos grupos em redes é outra questão relevante – pensar e agir em rede é potencializar as lutas e as soluções.
E agora? Como caminhar para a Rio+40 sem novas perdas? O que podemos de devemos fazer hoje: em casa, na escola, no trabalho, no bairro….?
Então, passado o evento, o momento é de reflexão para posterior ação. Há agendas de vários movimentos sociais. Rio +40? Tem muita água para rolar embaixo dessa ponte até lá e a educação e informação são as grandes aliadas.
* Ana Barros é jornalista, ativista em direitos humanos e educadora popular. Coordenadora da Tekó – Educação para a Vida-, organização recentemente criada com a missão de educar para a vida promovendo os direitos humanos e o sócioambientalismo; e vice-presidente pela América latina da AWE (Association for World Education), uma organização-rede de organizações e educadores presente em mais de 20 países e com status de consultoria junto à ONU.

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