14 set

Uma aula do grande mestre Tostão

Pasquale Cipro Neto – Folha de Sáo Paulo, 15/09/2011

“A POESIA NÃO CANSA”, disse o mais do que querido Tostão em sua belíssima coluna de ontem. Peço licença ao caro companheiro de muitos belos momentos vividos no ano passado, na África do Sul, para reproduzir trechos de seu texto:

“A criatividade, segundo estudos científicos, surge e se desenvolve na infância. As escolinhas (…) podem prejudicar a formação dos garotos. Eles deveriam, primeiro, brincar com a bola, se divertir, descobrir e aprimorar a habilidade e a fantasia para, depois, aprender as regras, a técnica e a tática. (…) As escolinhas costumam fazer o contrário. (…) Juan Pablo Varsky, argentino, colunista do ‘La Nación’, escreveu, há alguns dias, que o Barcelona é a poesia em movimento. Belíssimo. Acrescento que a maioria das outras equipes é o movimento sem poesia. Boa poesia não cansa. Extasia, mesmo quando o time empata, perde e até joga mal. (…) Logo após a final da Copa de 1970, o cineasta e poeta Pasolini escreveu que a Itália jogava como prosa, e o Brasil, como poesia. Hoje, o futebol italiano e o brasileiro são muito parecidos, pela marcação, pelos lançamentos longos e pelas jogadas aéreas. Jogam como prosa. A poesia ocorre em lances isolados. A prosa e a poesia são necessárias. Seria maravilhoso se o Brasil jogasse mais como poesia que como prosa”.

Eu poderia simplesmente dizer que, mutatis mutandis, o magnífico texto de Tostão poderia se referir não só às escolas (“escolinhas”) de futebol, mas também (e sobretudo) às escolas “normais”, aquelas em que se deveria aprender muita coisa que lá não se tem ensinado (vejam-se os resultados do último ENEM, divulgados segunda-feira -por falar em ENEM, sugiro ao leitor que passe os olhos no magnífico texto de Elio Gaspari, também de ontem).

O trecho em que Tostão fala da ordem que as coisas deveriam ter nas escolinhas de futebol tem tudo a ver com o que acontece, por exemplo, nas aulas de língua e literatura, sobretudo no ensino fundamental. Entopem-se os alunos de nomenclaturas e afins, enquanto o texto fica ali, clamando por que alguém descubra os seus “dribles”, “chapéus”, “canetas”, “jogadas sem bola” etc. O resultado disso é uma leitura dura do mundo, da vida, do (não) saber.

Intertextualidade, então, é artigo raro. Textos e textos são lidos sem que se desvendem para os alunos as conversas entre o texto que se lê e aqueles com os quais o texto que se lê “conversa”, ainda que seu autor não tenha propriamente querido fazer referência a eles. Dou um exemplo: se o texto de Tostão fosse parar numa aula de língua ou de literatura (por que não?), o/a professor/a poderia fazer referência a estes versos da antológica canção “Língua”, de Caetano Veloso: “E sei que a poesia está para a prosa / Assim como o amor está para a amizade / E quem há de negar que esta lhe é superior?”.

Bem, aí certamente caberia ao/à professor/a estabelecer os nexos que há entre o que Tostão e Pier Paolo Pasolini chamam de poesia e prosa no futebol e o que Caetano quer dizer com os seus versos. Para ilustrar o que são a poesia e a prosa no futebol, o/a professor/a poderia, por exemplo, apresentar um dos mais sublimes lances da história do futebol, do qual o grande Tostão participou. Refiro-me ao ANTOLÓGICO gol do Brasil contra a Inglaterra, na Copa de 70. Está ao alcance de todos no YouTube. Como dizia o meu querido e saudoso Walter Silva, “só a loucura cura”. No nosso caso (professores), a loucura é fugir do comum, fazer pensar, mostrar o belo, o mágico, onde estiverem.

E viva o grande Tostão! É isso.

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