25 mar

Pedaços de planeta

“Nas populações mais antigas, as mulheres mastigam e dão os alimentos retirados da própria boca para seus filhos. Há tanto carinho em preparar esses alimentos para que seus filhos consigam saboreá-los, e devemos lembrar que, para uma criança, os alimentos são percebidos como pedaços do mundo que são engolidos. Como se cada cor, cada textura, cada temperatura proporcionasse uma incrível viagem sensorial refletindo um ensinamento que podemos ser amorosos conosco e com os alimentos, respeitando o que colocamos para dentro de nós, tendo prazer em nos alimentarmos”, Carlos Eduardo de Carvalho Corrêa, pediatra, na publicação “Cuidados pela Vida” (para ler o texto na íntegra, clique aqui)

Quais “pedaços do mundo” estamos colocando na boca das crianças? De acordo com reportagem do Fantástico (leia aqui), estamos colocando um pedaço bem gorduroso. Uma em cada três crianças brasileiras estão acima do peso, o mesmo índice dos Estados Unidos (o país mais “gordo” do mundo).  Elas também têm dificuldades para reconhecer alimentos in natura, mas com salgadinhos, refrigerantes e outros industrializados, a identificação (e a vontade de comer) é imediata. 

Recentemente, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, vetou um projeto da Assembleia Legislativa, que restringia a publicidade para crianças de alimentos pouco nutritivos (leia a notícia completa aqui). Muita gente atacou o projeto por achar que esse não é um problema de Estado, mas um tema que deve ser tratado em casa pelos pais, responsáveis pela educação integral de seus filhos; e nesse aspecto é preciso aprender a dar limites e dizer "não". 

Hábitos e valores são construídos em casa, com o apoio constante dos pais. Se tivermos que a todo momento evocar os poderes de interdição do Estado para proibir porque os pais não têm condições para educar, vamos, aos poucos, destituir os pais do pátrio poder e entregar a tutela das crianças ao Estado por WO. 

Mas será que este é exclusivamente um desafio para os pais? Ou um desafio da sociedade? Os filhos – e todos nós – estão expostos à sedução por consumo 24 horas por dia. Na televisão, no computador, na rua, no caminho da escola, na cantina da escola. São bilhões da indústria do consumo empregados para encantar consumidores, de um lado, e o enorme trabalho cotidiano dos pais empregado na educação dos filhos. Mas se pode vender, por que não pode anunciar, informar que existe? Qual a medida das coisas? Ou das intervenções? 

E a escola? O que tem feito? Nas cantinas, transbordam frituras, salgadinho com embalagem de herói de desenho animado, suco de caixinha. Se tem merenda, é arroz e salsicha. Do que adianta ensinar algo nas salas de aula e, na realidade, fazer outra entrega? Criança vê, criança faz. E o que ensinam as aulas de reciclagem onde se pede a lata ou garrafa do refrigerante Y ou Z para fazer brinquedos de sucata? Para levar a embalagem, o pressuposto é seu consumo! 

O documentário “Muito Além do Peso” (disponível na íntegra aqui) aborda essas questões de maneira bastante clara. Pode ter respostas para essas perguntas ou pode colocar mais perguntas na discussão.  

Somos contra a censura e a criminalização de hábitos. Somos por aquela coisa chamada educação que leva tempo e demanda paciência, em doses extras – e recursos -, e também coerência: criança vê, criança faz. Democracia dá trabalho. Sim, somos seres envolvidos no fazer cotidiano, das utopias às contradições (os pais trabalham em empresas cujos produtos fabricados não são recomendados à saúde de seus filhos, nem às suas; queremos sustentabilidade e queremos a última versão do androide da vez; queremos filhos e tempo com eles mas sobram poucas horas descontando tempo no trabalho e no trânsito…). Tempos esmagadores em que temos que saber existir e tomar decisões em liberdade, assegurando, obviamente, que os excessos sejam regulados: quem fabrica, vende, divulga, compra, educa ou não – mal ou bem. A vida que a gente quer depende do que a gente faz.

                                                     

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